Fotos Cedidas pelos personagens |
“Voar é a segunda maior emoção conhecida pelo homem. Pousar é
a primeira”. Faz 109 anos que essa frase se tornou realidade quando o gênio e
mestre Alberto Santos Dumond fez o primeiro voo com o 14 Bis (também conhecido
como “ave de rapina”) inspirando uma nação e o mundo por sua paixão por voar.
Paixão essa que chegou aos lugares mais extremos do mundo.
Ismar Souza nasceu em Tarauacá (AC) e Sanclé Mesquita em Rio
Branco, ambos com 29 anos de idade foram “abduzidos” por esse sentimento e hoje
compartilham experiências e relatam as dificuldades de voar nos céus da
Amazônia. No último dia 23 de outubro
foi comemorado o Dia do Aviador.
Um tarauacaense jovem
aviador
O tarauacaense Ismar já sonhava desde criança em seguir
carreira de piloto. Único aviador da família, ele focou nos estudos até se formar
em Tecnólogo Ambiental, mas foi pensando em desafiar as Leis da Gravidade e
também desbravar os céus da região que seguiu carreira na aviação. Ele conta
que a ajuda dos pais foi fundamental na escolha. Filho de militar do Exército,
o jovem se inspirava nos colegas de trabalho do seu pai que sempre pousavam/decolavam
aviões e helicópteros em Tarauacá. “Eu sempre me fazia presente nesses
momentos. Quantas vezes me pegavam sonhando que um dia também pousaria ou
decolava aquelas máquinas!”, lembra.
Ismar Souza é piloto e nasceu em Tarauacá (Foto Cedida) |
O caminho é árduo e exige muito. Noites de estudos, horas
extras de conhecimento. Na época em que fez o curso na Escola de Pilotos de
Fortaleza (CE), Ismar era o único aluno da Região Norte bem como do Acre. A sua
turma começou com 48 alunos, desses, apenas 10 concluíram e se formaram na
parte teórica. Dos 10 alunos, apenas três passaram na prova da Agência Nacional
da Aviação Civil (Anac), e ele estava entre os aprovados o que o capacitou como
piloto Civil e Privado. Mas antes foi preciso seguir para Minas Gerais
exatamente na Escola de Pilotos de Pará de Minas, onde fez a parte prática. Atualmente é piloto de Táxi Aéreo, mas almeja agora a aviação
executiva. Vale lembrar que existem quatro qualificações de pilotos; Comercial,
Táxi Aéreo, Executivo e Agrícola.
Quem trabalha como piloto precisa muito mais que gosto pela
profissão, mas também de coragem e disciplina. As dificuldades são inúmeras.
Ismar enumera algumas. “Primeiramente as adversidades de voo como tempos
adversos, chuvas, os aeroportos que geralmente são muito perto da mata e a
noite, às vezes, devido aos nevoeiros é preciso alternar outra cidade por falta
de visibilidade da pista de pouso. São dificuldades que sempre estão presentes
nesse mundo da aviação, mas somos preparados psicologicamente para as
adversidades. Deus nos acompanha a todo instante”, comenta.
Benefícios da profissão também existem. “Os pilotos ganham
muito bem e recebemos para conhecer o mundo, porém, como em toda profissão, o
início é ruim para todos por isso muitos desistem. Mas se você almeja ser
piloto, esteja preparando desde já o caminho. E com força e fé possam um dia
olhar pra trás e dizer que conseguiu levantar voo”, finaliza.
Da janela de casa para
um avião
Sanclé Mesquita foi acostumado com os barulhos das turbinas
dos aviões. Ele morava aos fundos do antigo Aeroporto de Rio Branco. Na
infância, corria pra janela de casa só para ver os aviões passarem, e vibrava
quando voavam rasgando os tetos dos prédios. Mas não era só isso. Vez e outra
ele sempre ia ao aeródromo para olhar as aeronaves. Nessas idas e vindas,
prestava atenção nos pilotos fazendo o checklist e pensava; “Esses caras são
bons! Imaginem o treinamento que recebem para colocar um bicho desses no céu.
Acho que são militares”.
Foram anos de observação até que surgiu, na adolescência, as
provas da aeronáutica. Ele via uma ótima oportunidade pra ingressar na
carreira, diferente de sua mãe. “Quando chegava a hora de se inscrever eu me
arrumava e minha mãe fala que não era preciso, pois ela faria a inscrição. Mas
isso não acontecia, ela tinha medo de me tornar um piloto. Ela sempre foi muito
assustada”, lembra.
Os anos se passaram e Sanclé, com 16 anos, começou a
trabalhar, o sonho de voar ficou um pouco de escanteio. Iniciou a faculdade de
Sistema de Informação, mesmo sendo elogiado por professores e tendo bons resultados
no curso, a vontade de mudar de profissão era maior.
Sanclé
Mesquita iniciou o curso de piloto aos 24 anos e há cinco trabalha com Aerotaxi (Foto Cedida) |
“Aquilo não me deixava feliz. Ficar trancado em escritório
era muito chato. Decidi largar tudo e seguir meu sonho. Ninguém da minha
família aceitou no começo, tive que vender um carro para conseguir dinheiro e
fazer o curso fora, pois não existia no Acre e fui parar em São Paulo sem saber
nem como chegar à Itápolis no Centro de Aviação”, relata Sanclé que iniciou o
curso aos 24 anos de idade.
Depois de formado e já atuando na área, se tornou o orgulho
da família. Passou a ser admirado e amado ainda mais pela escolha que fez.
Mesmo com os desafios que enfrenta diariamente para integrar os municípios
acreanos por meio do serviço de Aerotaxi, ele quer ir além. Assim como Ismar, o
piloto riobranquense fala dos desafios da profissão, sobretudo no Acre.
“Os desafios são muitos. E em comparação às outras regiões do
Brasil, o Norte é mais complicado. Falta suporte. Às vezes não temos nenhuma
ajuda. Enfrentamos diariamente os problemas como abastecimento, pois só existem
em Rio Branco e Cruzeiro do Sul. Nesses casos, para a segurança, temos que
planejar bem e seguir as coordenadas direitinho, pois os aeroportos de
alternância são quase zero principalmente voos noturnos, onde somente Rio
Branco, Cruzeiro do Sul e Porto Velho operam”, comenta ele que trabalha como
piloto há cinco anos na Rio Branco Aerotaxi.
Não precisa de muito para saber da importância dos pilotos
para o desenvolvimento do nosso estado. Em 2014, o Acre ficou isolado por causa
da enchente do Rio Madeira, a BR-364 esteve por vários meses submersa e os
alimentos que antes vinham por carretas foram todos transportados por aviões.
Pilotos privados, companhias aéreas e até a Força Aérea Brasileira foram usados
para abastecer o estado, principalmente o interior.
Naquele ano dificultoso, o piloto disse que ajudou no
transporte um momento que jamais vai esquecer. “Trabalhamos quase 24 horas.
Voando muito até Porto Velho para pegar alimentos, medicamentos, roupas para o
Acre. O estado passava um momento crítico e nós tivemos que nos desdobrar sem
exceção. Não havia luxo apenas o sentimento de cooperar”, diz.
Apesar das dificuldades, o piloto aconselha aos que desejam
entrar na profissão tenham principalmente amor e foco. “Só entrem na profissão
quem realmente ama, no início de tudo é bem cruel, mas depois vai dando tudo
certo. Tudo depois será recompensado, não somente na parte financeira, mas
também pela satisfação de trabalhar naquilo que gosta”, finaliza.
Se tornando um piloto
Atualmente, a ANAC registra cerca de 60 mil pilotos em
diferentes habilitações, além de mais de 160 aeroclubes distribuídos por todo o
País, centenas de escolas de Aviação e dezenas de empresas aéreas.
Para tornar-se piloto da Força Aérea Brasileira, é preciso
ingressar na Academia da Força Aérea (AFA) é por meio de concurso. Esse
processo de formação dura quatro anos. Uma opção para quem não quer prestar o
concurso, é maior de 14 anos e menor de 18, é ingressar na Escola Preparatória
de Cadetes do Ar por meio de concurso público. A instituição substitui o Ensino
Médio.
Para ser piloto de avião comercial, o candidato tem duas
opções: realizar o curso ofertado em aeroclubes ou cursar uma graduação de
aviação civil oferecida por instituições de ensino reconhecidas pelo Ministério
da Educação. Apesar de ambos os tipos de escolas serem reconhecidas pela
Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), as instituições de Ensino Superior
acabam por oferecer maior base teórica e, consequentemente, aumentam os índices
de empregabilidade de seus egressos.
E, por falar no assunto, a estimativa é de que o setor crie
mais de 2 milhões de empregos até 2030. Por isso, é importante estar atento às
oportunidades da área para não perder vagas interessantes.
Na aviação civil, os salários podem chegar a R$ 22 mil para
pilotos de linhas internacionais. Também é possível exercer uma série de outras
funções a bordo e, ainda, trabalhar no setor administrativo de companhias.
Os horários inusitados e sem um padrão podem afastar pessoas
que não procuram esse estilo de vida. É importante saber conciliar vida
profissional e pessoal, encontrando um equilíbrio para que os problemas de um
lugar não afetem o outro, como em qualquer emprego.
Você sabia?
Hidroavião Taquary foi o primeiro a chegar ao Acre, em 5 de
maio de 1936. E o coronel João Donato, pai do músico João Donato e do poeta
Lysias Enio, foi o primeiro acreano habilitado como piloto, ainda naquela
década. Foto do acervo do Departamento de Patrimônio Histórico do Acre.
Além do hidrovião Taquary, o "Juruá", um douglas
C-47, era de propriedade do Território Federal do Acre. Foi pioneiro na viagem
do Rio de Janeiro ao Acre em apenas um dia. Foto de um álbum apresentado como
relatório de obras terminadas no Acre (1946-1948) quando o governador-delegado
da União no Território era o major José Guiomard dos Santos. No relatório
consta que, antes de 1946, Rio Branco ficava seis meses isolada do resto do
país por causa das precárias condições da pista de pouso. Por via fluvial,
passando por Manaus e Belém, a viagem até o Rio de Janeiro demorava quatro
meses.
A aviação teve início no Brasil por meio do emblemático voo
de Edmond Plauchut, em 22 de outubro de 1911. O pioneiro foi mecânico de
Alberto Santos-Dumont em Paris e estreou no céu nacional ao sobrevoar a Avenida
Central do Rio de Janeiro. Apesar do espírito vanguardista, Plauchut caiu no
mar a uma altura de 80 metros ao chegar à Ilha do Governador.
Foi apenas em 1927 que teve início a história da aviação
comercial no Brasil: a empresa Condor Syndikat foi a primeira a transportar
passageiros no país. A primeira linha com voos regulares nessas terras foi a
chamada “Linha da Lagoa”, que realizava vôos entre Porto Alegre, Pelotas e Rio
Grande.
Publicado originalmente no Jornal O Rio Branco 25/10/2015
Reportagem: Wanglézio Braga
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