quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Vovô Braga - 18 anos de saudades


Túmulo memorial de Antônio Ferreira Braga Filho
“Vovô”. Essa palavra me traz boas recordações e tem um significado triplo na minha vida. Foi um privilégio ter sido congratulado por ter três avôs, isso mesmo! O pai da minha mãe, Oswaldino (in memória), o marido da minha avó Lili, Antônio Vieira (esse não é de sangue, mais é meu avô por total consideração e que permanece vivo e forte), e o pai do meu genitor, Antônio Ferreira Braga Filho. É nesse último que essa palavra “vovô” tem maior sentido pra mim.

Confesso que tivemos pouco contato, porque ele morava no interior e quase não visitava a capital, Rio Branco. Saiu de Feijó só para cuidar da saúde e retornou tempos depois. Na capital, morou no conjunto Oscar Passos, na rua principal. Minha tia, Naildes Braga, na companhia da minha mãe, Dona Lora, e alguns dos meus irmãos sempre tiravam o sábado para fazer visitas a ele. Eram momentos divertidos e também cansativos. Subir a ladeira correndo, do São Francisco, não era uma tarefa fácil para um menino de seis anos principalmente quando os irmãos usavam toda a velocidade do mundo. Era longe!

Vô Braga era casado com dona Albertina (In memória), particularmente eu não gostava do jeito dela, mas, sempre tratei com respeito. Um gesto nobre de sua parte que guardo no HD da minha cachola, até hoje, era a forma como nos recepcionava. Nunca me esqueci de uma dessas visitas. Batemos palma, ele chegou ao portão vestido com shorte verde e massageando a testa dizendo que estava com dor de cabeça. O cheiro de VIC confirmava tal sintoma. Todos pediam a benção e na voz já debilitada ele fazia questão de responder um por um, mesmo que numa ligeireza. Quando chegou a minha vez, se abaixou e disse: Cadê o cheiro do vovô? Não tem não?. Lembro que dei um abraço nele, mas a barba rala incomodava e logo aquele carinho terminou.

Entramos na sua casa e minha tia danada falando dos acontecimentos da semana. Ele deitou na rede, colocou um boné azul na cabeça e ouviu a conversa toda. Meus irmãos brincavam de peteca na calçada, eu no pé da minha tia (Sempre fui muito grudado nela), minha mãe conversando na sala com dona Albertina... Até que ele me chamou, colocou no colo e perguntou:

- Você quer o bem de sua tia, quer?  - Fiz sinal de positivo com a cabeça.
- Você quer o bem da sua mãe? - Fiz sinal de positivo. E todas as vezes que ele perguntava eu analisava o significado daquelas perguntas. Elas sempre vinham com uma piscada pra minha tia. Talvez os dois combinavam, só pra saber a minha resposta.
- Você tem que cuidar delas, viu! Qualquer coisa você diz pro vovô que a gente dá um jeito. O vovô quer muito o seu bem, tá bom? – Desta vez respondi: Tá bom vovô.

Vô Braga era isso: simplório nas palavras, ao mesmo tempo, talvez pela voz, passava a impressão de que carinho e afeto eram o que importava no momento. Justiça se faça; sempre teve muito carinho pelos netos. Meus primos de Feijó ficaram responsáveis de receber boa parte desse afeto. Tenho certeza que aproveitaram. Nós da capital não tivemos muito essa oportunidade, isso ficou pro Antonio Vieira demonstrar.

Ficção. Era com ele mesmo. Vovô Braga era conhecido por contar e aumentar as “estórias”. Contava cada uma que parecia até pescador. Depois de grande, ouvi umas estórias que até duvidaria se o Brasil foi mesmo colonizado pelos portugueses.

Também era conhecido por ser um homem trabalhador. Minha vó Lili, apesar de ter seus motivos para mágoas, sempre confirmou tal adjetivo. Carteiro – foi à profissão que ele exerceu que mais admirei. Subia e descia, por dias, os rios de Feijó e região levando as correspondências numa canoa. Trabalho que ele fazia com muito esforço e esmero. Não era fácil subir por mais de 15 dias o Rio Envira. Quem mora na Amazônia sabe como isso é difícil no inverno e verão. Trabalhou também como mecânico da extinta empresa aérea Cruzeiro. Ofício que abandou depois que ela cancelou pousos e decolagens para Feijó.

Por fim, o vovô Braga morreu no dia 08 de setembro de 1998, aos 79 anos. Ainda lembro-me do choque que minha família tomou quando soubemos de sua morte. Nesse dia, eu atendi o telefone (2245813). Pediram pra chamar alguém mais velho. Minha tia, visivelmente apreensiva, pegou o aparelho da minha mão e poucos minutos, a pancada do telefone que caiu no chão ecoou no meu ouvido. O choro foi grande, o lamento também. Eu não sabia o que fazia. Se chorava com ela ou se corria até o pé de laranjeira e pegava folhas para fazer chá como sempre fazia quando Tia Naildes ficava doente. Não sai do canto. Em minutos, a mala dela estava feita, a do meu irmão mais velho, Wangley, que representou os netos que moravam na capital também estava arrumada. Eles saíram em cortejo até o Aeroporto Presidente Médici para a cerimônia fúnebre. Foi lá no saguão do aeroporto que me lembrei da fala: “O vovô quer muito o seu bem”.


09 de agosto de 2015, primeira vez na vida que pisei em Feijó. Por lá, um misto bucólico de saudade, curiosidade e medo. Talvez a ansiedade irracional de encontrar um passado que não me pertencia, me deixou assim: incompreendido. Era uma “invasão” às histórias dos meus avós? Ou um sentimento qualquer que não sei explicar? O fato é que de todos os lugares que por lá andei, foi no simplório cemitério, que nem muro existe, que animais vivem livres e passeiam entre os túmulos, que pude sentir um pouco de sua presença. Ao vovô, meu sentimento mais melancólico: A saudade.  

sábado, 16 de janeiro de 2016

Mariete e o Fusca: Uma história de amor desfeita depois de quase 40 anos


O Fusca amarelo colonial é datado de 1978 (Foto Arquivo pessoal)

A proximidade de um novo ano invariavelmente nos leva a desapegar de coisas que nos acompanham na vida. Alguns se desprendem de sentimentos negativos, outros de objetos recém-arranjados e existem também aqueles que corajosamente desapegam de bens adquiridos há muitos anos, uma eternidade.

Janeiro sempre chega encorajando novas propostas. Por algum motivo, o primeiro mês do ano parece mais propício a uma faxina. E como essa afirmativa é verdadeira! Talvez uma data para que as pessoas entendam que só há perda se há posse, e essa é apenas uma sensação.

Por onde ela passava em Rio Branco, mais precisamente na Cohab do Bosque, logo chamava atenção de todos. Loira, olhos claros, alta e com um timbre de voz marcante. Mas, não era realmente tão somente isso que atribuíam tantos olhares para a educadora, Mariete Morte da Costa, mais ronco do motor e o brilho da lataria do seu veículo, um autêntico fusca da Volkswagen adquirido na década de 70.

Nascida em Xapuri, Mariete é bem quista por amigos e vizinhos. Tem uma fama de viajante, por sempre estar de bem com a vida e ser amante de um fusca amarelo colonial. Foi no dia 07 de novembro de 1978 que essa história de amor teve início.

A amiga dela, dona Ziza Castelo, foi a responsável por essa união. Ziza atravessou a cidade e levou Mariete a uma concessionária de Rio Branco para comprar um carro. Tido como popular, fácil de dirigir, incomparável em seus traços arredondados e simpáticos, resistente na força bruta da lataria, o fusca foi o escolhido dentre tantos outros. O negócio foi feito e o consórcio garantido.

Certa vez, ao andar pelo centro, Mariete foi abordada por um cidadão que deu a notícia de que ela havia sido contemplada no sorteio. Ela estava na segunda prestação do consórcio. “Eu corri pra loja e cheguei lá o gerente realmente havia confirmado o sorteio. Fiquei muito feliz, porém, havia um problema muito grande, eu não sabia dirigir”, comenta.

Um amigo foi chamado para levar o carro até um posto de gasolina que ficava a poucos metros de sua casa. Foi justamente esse amigo que deu as primeiras aulas para Mariete, mas, ela optou por receber as instruções numa autoescola. Não demorou muito para que a máquina funcionasse e ela aprendesse de fato a manobrar o veículo. Tanto que foi a estrada de Sena Madureira a escolhida para uma corrida.

“Até que um dia eu resolvi sair sozinha pra ir à faculdade. Liguei, dei uma ré e o carro ficou com as duas rodas sem tocar ao chão, tudo por que a ré foi demais e era um local alto do estacionamento no posto. Eu gritava por socorro e uma multidão apareceu para tirar o carro daquela condição. Depois disso eu fui praticando e aprendendo a dirigir”, relata.

A nossa personagem de hoje alcançou a época em que a sociedade ainda esboçava muito preconceito por mulheres que dirigiam. Mesmo que muitas delas possuíam seus próprios veículos. Ela lembra que grande parte das universitárias e funcionárias do estado eram criticadas e serviam como objetos de piadas. No entanto, não era somente a barreira do preconceito que as motoristas precisavam vencer.

A cidade ainda em plena transformação possuía poucas ruas asfaltadas ou tijoladas. As sinuosas ladeiras causavam sensações de medo e agonia. O trânsito para a época já era considerado perigoso e principalmente movimentado.

“Naquele tempo eram poucas as mulheres corajosas que seguiam pela Avenida Getúlio Vargas. Muitas faziam o desvio na rua de trás. Foi numa dessas ladeiras que tive um problemão com o sinal que havia ficado verde e a movimentação de gente era grande. Eu não conseguia sair do lugar. Passei uns quinze minutos que não sabia se subia ou descia e os motoristas de trás tudo buzinando. Até que um taxista veio e me ajudou a sair daquele sufoco, graças a Deus”, lembra.   

“Se ele falasse...”

O Fusca não é grande, não alcança grandes velocidades e tampouco é moderno tanto que foi aposentado das fábricas brasileiras em 1997. No entanto, acredite, é melhor não subestimá-lo principalmente quando muitos bons momentos aconteceram graças ao seu potente motor.

“Se o fusca falasse, ele diria muita coisa indevida (...) Tudo que eu já vivi com ele daria um bom livro. Vou te contar; Aproveitei muito neste carrinho! Namorei, ia pra todo canto com ele, viajava e saia com a galera chegando sete a oito horas da manhã (...) Ele teve até umas quatro batidinhas, coisa leve nada grave”, dispara Mariete acompanhado de uma sonora gargalhada.

Por onde ela passava em Rio Branco logo chamava atenção de todos (Foto: Wanglézio Braga)

Sortuda

Mesmo sendo um carro popular e considerado por muito um veículo ultrapassado, o fusca continuava sendo o “queridinho” da educadora. Tanto que ela foi contemplada com outros dois consórcios. Desta vez de carros bem melhores e mais modernos. Só que isso não foi o suficiente para ela abandonar seu xodó. “No segundo consórcio fui contemplada também na segunda parcela. Já o terceiro, na quarta prestação eu vendi o carro. Hoje, estou querendo entrar em mais um para adquirir um automóvel melhor. Será terei sorte mais uma vez?”, comenta.  

Assédio

Quem possui uma relíquia dessas sempre sofre com o assédio. No caso dela, será que ela sofreu desse mal?. “Uma vez um senhor me parou no trânsito e fez uma proposta. Disse que eu estava precisada de dinheiro. Só que não era verdade. Ele era apenas um dos milhares que queria comprar meu fusca a qualquer custo. Já me ofereceram muito dinheiro, só que não tive coragem de aceitar”, recorda.  

Quase 40 anos depois...

O tempo passa e também a sensação de desapego acompanha a vida. Talvez por nossa natureza ou tendências do mundo globalizado, que usa do materialismo para tem uma oportunidade de nos reciclar, isso pode produzir o chamado sofrimento da perca.

Para a filosofia oriental, na qual é um dos mais importantes ensinamentos, o desapego não é uma rejeição e sim uma liberdade que se sobressai quando deixamos de nos prender. Mas desapego é algo maior. É saber deixar para trás o que quer que seja sem sofrimento. Será?

O apego é visto muitas vezes como algo positivo, como se fosse sinal de cuidado. A preocupação com alguma situação é uma manifestação do apego. Tem gente que não se permite relaxar diante de algo que ainda não foi resolvido porque acha que isso seria uma forma de desleixo e, assim, não consegue se desapegar.

"O tempo de dizer adeus chegou e não estou arrependida", diz ela (Foto Arquivo Pessoal)
No caso de Mariete da Costa foram quase 40 anos tendo o fusca como seu fiel cúmplice. Mas, no inicio desse ano o amarelinho foi vendido por uma quantia razoável na tabela econômica do mercado automobilístico. Porém, se desfazer dele não foi tarefa fácil.

No final do ano passado quem passava na frente da sua casa avistada o fusca amarelo, mas, poucos dias depois a garagem estava completamente vazia.

“Todo mundo diz que o fusca é a minha cara. Ele passou a ser um símbolo da minha vida. Sei lá, acho que não sou muito apegada aos bens. Talvez ele fosse o bem que mais me apeguei na vida. Antes de passar a diante ao novo dono, o máximo que pude fazer foi dar a última volta e fazer umas fotos”, comenta Mariete visivelmente emocionada, porém, com um semblante firme.

Desapegar-se significa ficar em paz, mesmo enquanto acontece algo que desejaríamos que fosse diferente ou enquanto algo não foi resolvido. Bom ainda é pode até parecer cedo, afinal, é possível contar nos dedos os dias em que ela “desapegou do seu fusca”. Para começar 2016 com essa mentalidade, ela faz questão de deixar seu recado.


“Não adianta a gente se apegar. A gente morre, e tudo fica aí. Podemos ter rios de dinheiro. Eu não me arrependi do fusca. Sou grata pela ajuda que me deu quando minha mãe precisou, quando cursava a faculdade ou ia para o trabalho nele. O tempo de dizer adeus chegou e não estou arrependida”, finaliza.