O Fusca amarelo colonial é datado de
1978 (Foto Arquivo pessoal)
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A proximidade de um novo ano
invariavelmente nos leva a desapegar de coisas que nos acompanham na vida.
Alguns se desprendem de sentimentos negativos, outros de objetos
recém-arranjados e existem também aqueles que corajosamente desapegam de bens
adquiridos há muitos anos, uma eternidade.
Janeiro sempre chega encorajando
novas propostas. Por algum motivo, o primeiro mês do ano parece mais propício a
uma faxina. E como essa afirmativa é verdadeira! Talvez uma data para que as
pessoas entendam que só há perda se há posse, e essa é apenas uma sensação.
Por onde ela passava em Rio Branco,
mais precisamente na Cohab do Bosque, logo chamava atenção de todos. Loira,
olhos claros, alta e com um timbre de voz marcante. Mas, não era realmente tão
somente isso que atribuíam tantos olhares para a educadora, Mariete Morte da
Costa, mais ronco do motor e o brilho da lataria do seu veículo, um autêntico
fusca da Volkswagen adquirido na década de 70.
Nascida em Xapuri, Mariete é bem
quista por amigos e vizinhos. Tem uma fama de viajante, por sempre estar de bem
com a vida e ser amante de um fusca amarelo colonial. Foi no dia 07 de novembro
de 1978 que essa história de amor teve início.
A amiga dela, dona Ziza Castelo, foi
a responsável por essa união. Ziza atravessou a cidade e levou Mariete a uma
concessionária de Rio Branco para comprar um carro. Tido como popular, fácil de
dirigir, incomparável em seus traços
arredondados e simpáticos, resistente na força bruta da lataria, o fusca foi o
escolhido dentre tantos outros. O negócio foi feito e o consórcio garantido.
Certa vez, ao andar pelo centro,
Mariete foi abordada por um cidadão que deu a notícia de que ela havia sido
contemplada no sorteio. Ela estava na segunda prestação do consórcio. “Eu corri
pra loja e cheguei lá o gerente realmente havia confirmado o sorteio. Fiquei
muito feliz, porém, havia um problema muito grande, eu não sabia dirigir”,
comenta.
Um amigo foi chamado para levar o
carro até um posto de gasolina que ficava a poucos metros de sua casa. Foi
justamente esse amigo que deu as primeiras aulas para Mariete, mas, ela optou
por receber as instruções numa autoescola. Não demorou muito para que a máquina
funcionasse e ela aprendesse de fato a manobrar o veículo. Tanto que foi a
estrada de Sena Madureira a escolhida para uma corrida.
“Até que um dia eu resolvi sair
sozinha pra ir à faculdade. Liguei, dei uma ré e o carro ficou com as duas
rodas sem tocar ao chão, tudo por que a ré foi demais e era um local alto do
estacionamento no posto. Eu gritava por socorro e uma multidão apareceu para
tirar o carro daquela condição. Depois disso eu fui praticando e aprendendo a
dirigir”, relata.
A nossa personagem de hoje alcançou a
época em que a sociedade ainda esboçava muito preconceito por mulheres que dirigiam.
Mesmo que muitas delas possuíam seus próprios veículos. Ela lembra que grande
parte das universitárias e funcionárias do estado eram criticadas e serviam
como objetos de piadas. No entanto, não era somente a barreira do preconceito
que as motoristas precisavam vencer.
A cidade ainda em plena transformação
possuía poucas ruas asfaltadas ou tijoladas. As sinuosas ladeiras causavam
sensações de medo e agonia. O trânsito para a época já era considerado perigoso
e principalmente movimentado.
“Naquele tempo eram poucas as
mulheres corajosas que seguiam pela Avenida Getúlio Vargas. Muitas faziam o
desvio na rua de trás. Foi numa dessas ladeiras que tive um problemão com o
sinal que havia ficado verde e a movimentação de gente era grande. Eu não
conseguia sair do lugar. Passei uns quinze minutos que não sabia se subia ou
descia e os motoristas de trás tudo buzinando. Até que um taxista veio e me
ajudou a sair daquele sufoco, graças a Deus”, lembra.
“Se ele falasse...”
O Fusca não é grande, não alcança
grandes velocidades e tampouco é moderno tanto que foi aposentado das
fábricas brasileiras em 1997. No entanto, acredite, é melhor não subestimá-lo
principalmente quando muitos bons momentos aconteceram graças ao seu potente
motor.
“Se o fusca falasse, ele diria muita
coisa indevida (...) Tudo que eu já vivi com ele daria um bom livro. Vou te
contar; Aproveitei muito neste carrinho! Namorei, ia pra todo canto com ele,
viajava e saia com a galera chegando sete a oito horas da manhã (...) Ele teve
até umas quatro batidinhas, coisa leve nada grave”, dispara Mariete acompanhado
de uma sonora gargalhada.
Por onde ela passava em Rio Branco logo chamava atenção de todos (Foto: Wanglézio Braga) |
Sortuda
Mesmo sendo um carro popular e
considerado por muito um veículo ultrapassado, o fusca continuava sendo o
“queridinho” da educadora. Tanto que ela foi contemplada com outros dois
consórcios. Desta vez de carros bem melhores e mais modernos. Só que isso não
foi o suficiente para ela abandonar seu xodó. “No segundo consórcio fui
contemplada também na segunda parcela. Já o terceiro, na quarta prestação eu vendi
o carro. Hoje, estou querendo entrar em mais um para adquirir um
automóvel melhor. Será terei sorte mais uma vez?”, comenta.
Assédio
Quem possui uma relíquia dessas
sempre sofre com o assédio. No caso dela, será que ela sofreu desse mal?. “Uma
vez um senhor me parou no trânsito e fez uma proposta. Disse que eu estava
precisada de dinheiro. Só que não era verdade. Ele era
apenas um dos milhares que queria comprar meu fusca a qualquer custo. Já me
ofereceram muito dinheiro, só que não tive coragem de aceitar”, recorda.
Quase 40 anos depois...
O tempo passa e também a sensação de
desapego acompanha a vida. Talvez por nossa natureza ou tendências do mundo
globalizado, que usa do materialismo para tem uma oportunidade de nos reciclar,
isso pode produzir o chamado sofrimento da perca.
Para a filosofia oriental, na qual é
um dos mais importantes ensinamentos, o desapego não é uma rejeição e sim uma
liberdade que se sobressai quando deixamos de nos prender. Mas desapego é
algo maior. É saber deixar para trás o que quer que seja sem sofrimento. Será?
O apego é visto muitas vezes como
algo positivo, como se fosse sinal de cuidado. A preocupação com alguma
situação é uma manifestação do apego. Tem gente que não se permite relaxar
diante de algo que ainda não foi resolvido porque acha que isso seria uma forma
de desleixo e, assim, não consegue se desapegar.
"O tempo de dizer adeus chegou e não estou arrependida", diz ela (Foto Arquivo Pessoal) |
No caso de Mariete da Costa foram
quase 40 anos tendo o fusca como seu fiel cúmplice. Mas, no inicio desse ano o
amarelinho foi vendido por uma quantia razoável na tabela econômica do
mercado automobilístico. Porém, se desfazer dele não foi tarefa fácil.
No final do ano passado quem passava
na frente da sua casa avistada o fusca amarelo, mas, poucos dias depois a
garagem estava completamente vazia.
“Todo mundo diz que o fusca é a minha
cara. Ele passou a ser um símbolo da minha vida. Sei lá, acho que não sou muito
apegada aos bens. Talvez ele fosse o bem que mais me apeguei na vida. Antes de
passar a diante ao novo dono, o máximo que pude fazer foi dar a última volta e
fazer umas fotos”, comenta Mariete visivelmente emocionada, porém, com um
semblante firme.
Desapegar-se significa ficar em paz,
mesmo enquanto acontece algo que desejaríamos que fosse diferente ou enquanto
algo não foi resolvido. Bom ainda é pode até parecer cedo, afinal, é possível
contar nos dedos os dias em que ela “desapegou do seu fusca”. Para começar 2016
com essa mentalidade, ela faz questão de deixar seu recado.
“Não adianta a gente se apegar. A gente
morre, e tudo fica aí. Podemos ter rios de dinheiro. Eu não me arrependi do
fusca. Sou grata pela ajuda que me deu quando minha mãe precisou, quando
cursava a faculdade ou ia para o trabalho nele. O tempo de dizer adeus chegou e
não estou arrependida”, finaliza.
Um comentário:
Com certeza a tia Mariete tem um carinho todo especial por seu fusquinha.
Muito legal essa matéria. Com certeza é uma boa história de amor.
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